09 Fevereiro 2018
Três semanas após a visita do Papa Francisco ao Chile, o país latino-americano parece ainda mais distante da Igreja católica. Novos antecedentes relacionados à ocultação dos abusos aprofundam a desconfiança.
A reportagem é publicada por Deutsche Welle, 08-02-2018. A tradução é de André Langer.
Sabia-se que a visita do Papa ao Chile não seria fácil, mas nem as piores previsões previam o efeito que o caso do bispo Juan Barros teria. Em um continente predominantemente católico, em que Francisco – o primeiro pontífice latino-americano, com linguagem e cultura comuns – causa furor, a situação chilena é bastante singular.
De acordo com a pesquisa Latinobarómetro, realizada no início de janeiro em 18 países da região, o Chile é o país que pior avalia o Papa, tem menos católicos e confia menos na Igreja católica. Se, em 1995, 74% dos chilenos se declaravam católicos, hoje são apenas 45%. Francisco recebeu uma nota 5.3, em uma escala de 0 a 10, e apenas 36% têm muita confiança na Igreja.
A chegada do Papa foi precedida de ataques incendiários a igrejas, e das missas presididas pelo Santo Padre participaram menos fiéis do que o esperado, aproximadamente a metade, de acordo com os cálculos dos organizadores. O que acontece no Chile? Um dos fatores que explicam esse fenômeno é a crescente secularização. “Embora seja um processo generalizado na América Latina, na sociedade chilena está mais avançado do que em outros países. A modernização, ligada ao boom econômico, trouxe consigo também um processo mais profundo de individualização. Isso influenciou no declínio das redes, às quais a Igreja se apoiada com práticas solidárias, cooperativas e de assistência”, explica Álvaro Ramis, doutor em filosofia e professor da Faculdade de Filosofia e Humanidades da Universidade do Chile.
Nesse cenário, os abusos sexuais minaram o prestígio da Igreja, que fora um ator político e social comprometido com a defesa dos direitos humanos e a solidariedade com os mais pobres durante a ditadura de Pinochet. “Hoje, a Igreja chilena é atingida por uma crise de imagem e de confiança, que tem sido muito mais grave do que em outros países”, diz Ramis.
O que deveria ter sido uma visita pastoral, foi mais notícia pelo bispo Barros, acusado como acobertador de Fernando Karadima, um padre sancionado a uma vida retirada do exercício pastoral, depois de se provar inúmeros casos de abuso sexual e de poder. A investidura de Barros, um dos próximos a Karadima, como bispo da diocese de Osorno, no sul do país, há dois anos, aprofundou a crise.
Na opinião de Álvaro Ramis, “o abuso pesa, mas é mais forte pelo acobertamento, o que gera muita indignação. Quando é o crime particular de um clérigo, é mais fácil enfrentar, mas a política de acobertamento foi generalizada”.
Barros participou de missas com o Papa durante sua visita, o que gerou fortes críticas. Juan Carlos Claret, porta-voz de um grupo de leigos que quer a saída de Barros, acredita que “a Igreja, assim constituída, acaba permitindo a impunidade de pessoas que, se não fossem bispos, seriam simples criminosas”.
Questionado pela imprensa, o Pontífice respondeu dizendo que não havia nenhuma prova contra o bispo. Mais tarde teve que se desculpar, pela dor que suas palavras causaram nas vítimas. Uma delas revelou que Francisco tinha conhecimento da situação, porque em 2015 enviou-lhe uma carta, através do cardeal americano Sean O'Malley, denunciando o bispo Barros como acobertador de Karadima.
“Quando o Papa diz que não há provas, sim, elas existem. São provas testemunhais. Por que ele as desacredita? E quando diz que são calúnias, alimenta um desincentivo para que mais vítimas falem”, disse Juan Carlos Claret.
O Papa tentou encontrar uma saída, propondo um ano sabático a Barros e a outros bispos ligados a Karadima, mas as soluções se embaralharam, aparentemente por responsabilidade do Núncio. Há uma série de procedimentos que limitariam a liberdade do Pontífice para nomear e remover bispos, somada à cautela para evitar o surgimento de revoltas em outras dioceses.
A visita do bispo Charles Scicluna, enviado pelo Papa para investigar Barros e ouvir as vítimas, poderá esclarecer a situação. O quadro é complexo e o escândalo poderá salpicar em outros bispos e inclusive no Núncio Apostólico, representante do Vaticano no Chile.
“O Papa veio para colher o que foi semeado”, disse Juan Carlos Claret. “Francisco perdeu uma ótima oportunidade para tornar sua mensagem de tolerância zero credível, porque ele acabou reafirmando as condições que tornam possível o abuso, como a obediência cega, o uso autoritário do poder e uma estrutura obscura”, aponta.
Três semanas após a visita do Pontífice, os possíveis frutos pastorais se veem ofuscados pelas críticas. “Eu acredito que, no longo prazo, a Igreja poderá ler e capitalizar esta visita. Os conteúdos dos discursos na maioria dos casos foram muito profundos e tocaram questões muito sensíveis. O problema é que o escândalo de Barros ofuscou a visita”, disse Álvaro Ramis.
Na sua opinião, hoje a Igreja católica não oferece nenhum atrativo, mas muitas dificuldades. A sociedade chilena segue aderindo à fé, mas não necessariamente ao catolicismo, como tradicionalmente acontecia. A Igreja Evangélica Pentecostal cresceu notavelmente, especialmente entre os setores populares, que se sentem melhor representados.
Parte do grupo de católicos que permanece fiel à Igreja católica, enquanto isso, identifica-se com as correntes mais conservadoras. “Há um núcleo católico nos setores da elite econômica. Demograficamente, é muito pequeno, mas é muito influente na sociedade e na economia. Contudo, o Papa atual não consegue ter entradas nessa elite. Primeiro, porque não se foca na moral sexual, que é uma das questões que essa elite quer enfatizar e, por outro lado, reforça temas da moral social, que esse grupo não desenvolve ou evita. Então, Francisco anda na contramão desses católicos chilenos”, argumenta Ramis. Em suma, o Papa não consegue sintonizar nem com eles nem com a sociedade.
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Chile e a Igreja católica: um divórcio irreversível? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU